Médico dentista, investigador, inventor, apaixonado pela vida e pelo trabalho que escolheu. Este é o retrato de Miguel Pais Clemente, um cientista da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP). “Ser investigador é algo que nasce connosco no sentido de termos uma vertente crítica e inconformada que quer ir mais além, saber mais, questionar procedimentos e analisar resultados”, conta o docente e investigador em entrevista à U.Porto Inovação.

Assim, e apesar de, como em tantas crianças, astronauta ter sido a primeira escolha no que dizia respeito à profissão, Miguel Pais Clemente descobriu cedo qual o caminho que queria seguir. Neto e filho de médicos, lembra-se de ter apenas 10 anos e andar pelos corredores do Hospital de São João no Porto, ao lado do pai, pensando que um dia também poderia ser médico ali. No entanto, as médias exigentes acabaram por impor um pequeno “desvio” no percurso, tendo acabado por se licenciar em Medicina Dentária: “Portanto, o meu desejo de ser médico ficou numa área anatómica anexa, como se de uma anastomose se tratasse”, refere.

Terminada a licenciatura, o investigador começou o mestrado em 2004 “à moda antiga” na Faculdade de Medicina Dentária da U.Porto. Foi aí que teve contacto com metodologias inovadoras para a altura, nomeadamente a interpretação de amostras de tecido ósseo em microscópica eletrónica de varrimento”, explica. Seguiu-se o Doutoramento, com uma equipa de orientação constituída por pessoas das Faculdades de Medicina, Medicina Dentária e também Engenharia, começando a evidenciar-se a ligação multidisciplinar que, no futuro, não deixaria de estar presente no percurso académico do investigador. Graças à participação da Faculdade de Engenharia nesta parte do percurso, Miguel Pais Clemente teve a oportunidade de “utilizar diferentes tipos de sensores, como por exemplo termografia, em contexto de atividade clínica dentária”, refere o que em muito contribuiu para o que foi alcançando, enquanto cientista, até aos dias de hoje.

Foi depois de concluir o Doutoramento que Miguel Pais Clemente sentiu “ter atingido o início da maturidade na investigação”. A área de trabalho que escolheu, e cujo caminho percorre até hoje, foi a Oclusão e dos Distúrbios temporomandibulares. Quando questionado sobre essa escolha, Miguel Pais Clemente refere que a considera fascinante do ponto a nível clínico, mas, sobretudo, muito importante no ponto de vista da investigação uma vez que “os distúrbios temporomandibulares são a causa mais frequente de visita ao profissional de saúde oral a seguir à dor de origem dentária”, explica.

Então, juntando a curiosidade, a sede de informação e de respostas, a orientação de alunos e a paixão por esta área científica, Miguel Pais Clemente instalou-se definitivamente na FMUP dando seguimento, mesmo que de outra forma, ao imaginário do menino de 10 anos. “Gosto muito de ser inventor na Universidade do Porto onde existem exemplos firmes e sólidos que nos fazem ambicionar sempre mais. O que mais gosto é a questão relacionada com o relacionamento humano de ajuda e partilha de conhecimento entre os professores, bem como de poder trabalhar em equipas multidisciplinares”, conta o investigador.

A ciência ao serviço da sociedade

E foi a partir de uma dessas interações, mais precisamente com Joaquim Gabriel Mendes (docente e investigador da Faculdade de Engenharia da U.Porto) que Miguel Pais Clemente teve a oportunidade de participar na criação de uma inovação recente, que promete ser revolucionária nos tempos que vivemos. Falamos do escudo protetor de aerossóis para uso na área da Saúde Oral, que se propõe a resolver alguns dos desafios que a pandemia da COVID-19 colocou a essa área clínica. Na sua opinião, a altura da pandemia, em que o mundo parou, “foi também uma oportunidade única para produzir conhecimento”, conta. Assim, e seguindo os conselhos de quem o rodeava, juntou-se a Joaquim Gabriel Mendes nesta invenção revolucionária e desenvolvida em tempo record para dar resposta rápida aos desafios da pandemia. “O escudo protetor confere um grau de proteção adicional aos profissionais de medicina dentária, bastante expostos dada a proximidade com a cavidade oral, bem como com a facilidade de transmissão do coronavírus SARS-CoV2 pelas gotículas que se propagam no ar”, explica o investigador.

Na sua opinião, existe uma “responsabilidade maior e há uma crença em que os resultados possam ser úteis para a academia e para a sociedade em geral”, e isso motivou-o a não baixar os braços durante uma altura em que todo o mundo precisa de soluções eficazes para começar a viver no “novo normal”. Para a dupla de investigadores era imperativo encontrar uma forma de proteger estes profissionais de saúde oral do risco elevado que corriam ao tratar os seus pacientes e, como diz Miguel Pais Clemente, “traduzir o conhecimento em algo útil para sociedade é um estímulo constante”, presente nas suas mentes durante todo o processo.

Sonhos? Futuro?: "O ser humano é um ser insaciável"

Ao falar em sonhos e planos futuros, Miguel Pais Clemente não hesita em citar o conhecido poema de Antonio Machado, dizendo “o caminho faz-se caminhando”. Neste momento, a sua realização profissional existe muito graças ao trabalho que executa na FMUP “onde ilustres académicos como Altamiro da Costa Pereira (diretor da FMUP), Adelino Leite Moreira (diretor do departamento) e José Manuel Amarante (Diretor do mestrado de Cirurgia Ortognática e Ortodontia) ilustram equipas de trabalho de excelência ao nível da investigação”, refere o investigador. No entanto, essa satisfação não é nunca sinónimo de parar ou conformar-se, e Miguel Pais Clemente sonha em poder dar continuidade ao seu trabalho no estudo, ensino e investigação na área das ciências dentárias, “potenciando a formação pós-graduada que existe na FMUP nas áreas da medicina dentária e estomatologia”, diz.

No que diz respeito à sua invenção mais recente - o escudo protetor - está já a desenhar-se uma parceria com a empresa Laborial, que tem como principal objetivo melhorar o protótipo e, assim, passar para a implementação de facto no mercado. “Porque a vida recente ensinou-nos que há um vírus que pode parar o mundo, e quanto melhor nos prepararmos para o futuro mais estaremos a fazer em prol das nossas vidas e das gerações vindouras”, conclui.