Quando era criança, apesar de, como diz “ser relativamente bom estudante”, não estava nos planos de Paulo Correia-de-Sá ser investigador e o que o fascinava era o desporto.  “Era desportista, familiar de desportistas e oriundo de uma terra – Lourenço Marques/Maputo, Moçambique – onde o desporto tinha uma função social muito relevante”, conta.  Apesar de a sua derradeira jornada ter sido na Medicina, a vocação de infância para o desporto fez com que chegasse a passar nas exigentes provas físicas para ingressar no curso de Educação Física, também na Universidade do Porto.

A par dessa paixão, Paulo Correia-de-Sá interessava-se muito também por outras áreas distintas, como é o caso da arte, design e arquitetura, mas também a biologia:  “Foi por causa desse interesse pelo funcionamento do organismo Humano na saúde e na doença que me candidatei também, em simultâneo, para o curso de Medicina do recém-criado ICBAS”, conta o investigador.  E foi nessa “casa” que se fixou até hoje, começando então a descobrir a vocação para a investigação científica muito graças aos “excelentes professores, que sempre souberam incutir o espírito de curiosidade e de pesquisa nos estudantes, nos futuros médicos”, diz.  Era ainda aluno do 3º ano quando começou a fazer investigação no Laboratório de Farmacologia.

Quando questionado sobre a eleição dessa área, o docente não resiste a utilizar uma metáfora ainda da altura do desporto:  “Costumo dizer aos estudantes que, na vida, devemos aproveitar as oportunidades que nos aparecem e tornar as adversidades em tónicos para fazer mais e melhor”.  Isto porque, confessa, a área científica foi escolhida na sequência de um convite feito pelo Professor Joaquim Alexandre Ribeiro, que no final de cada ano letivo convidava os alunos com melhores resultados na disciplina de Farmacologia para realizar um estágio de verão no Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC).  Quase em simultâneo, o Professor Arala Chaves dirigia-lhe um convite semelhante para se dedicar à área da Imunologia.  Tendo optado pelo primeiro, a verdade é que alguns anos mais tarde acabou por vir a dirigir, durante quase duas décadas, o Departamento de Imuno-Fisiologia e Farmacologia do ICBAS sucedendo na direção o Professor Arala Chaves.  Esta incumbência permitiu-lhe promover e conciliar as duas áreas que o tinham apaixonado enquanto estudante.

Mais de 20 anos a investigar melhores métodos de diagnóstico e terapêutica na área da sinalização purinérgica

Atualmente, um dos seus trabalhos em destaque é o OBOOM, ou “Office-based bladder outlet obstruction marker”.  Trata-se de um “biomarcador urinário rápido, para uso no consultório, cujo objetivo é diagnosticar a competência do músculo detrusor em doentes com obstrução ao esvaziamento da bexiga”, explica.  Atualmente, um em cada três homens com mais de 65 anos pode vir a sofrer de Hiperplasia Benigna da Próstata (HBP), isto é, sofrer de uma expansão anormal do tamanho da próstata que gera pressão sobre a bexiga e a uretra.  Esta pressão impede um fluxo urinário normal e favorece a atividade descoordenada e/ou insuficiente da bexiga causando episódios de retenção e/ou incontinência urinária que afeta muito a qualidade de vida dos doentes.

Infelizmente, como refere o investigador, o diagnóstico disponível nos dias de hoje para esta condição é bastante invasivo, o que levou a equipa de Paulo Correia-de-Sá a pensar numa solução.  Estudos efetuados pelo grupo do Laboratório de Farmacologia e Neurobiologia do ICBAS concluíram que a existência de uma maior concentração de ATP (a molécula que acumula energia do nosso corpo) na urina correlaciona-se com o aumento da pressão no interior da bexiga durante o seu esvaziamento.  O OBOOM permite que, com uma pequena amostra de urina, seja possível estimar a pressão urinária.  O investigador prevê que o desenvolvimento do protótipo permita o início, muito em breve, dos primeiros testes de validação clínica e diagnóstica na consulta de Urologia do Centro Hospitalar do Porto, sob a responsabilidade do Professor Miguel Silva Ramos, corresponsável por este projeto.  “O impacto clínico esperado para este desenvolvimento é enorme, considerando que em Portugal mais de 500 mil homens sofrem de sintomas moderados a graves do aparelho urinário baixo”, refere.  O OBOOM vai poder ainda ser utilizado na monitorização terapêutica dos doentes, podendo cada um repetir o teste de forma regular ao longo da vida: “o mercado não tenderá a esgotar-se após a primeira utilização”, refere Paulo Correia-de-Sá.

Mas esta não é a única área de atuação da equipa de investigadores liderada por Paulo Correia-de-Sá:  “A investigação do meu grupo passa ainda pela pesquisa do papel das purinas na atividade cardíaca, nas repercussões cardíacas da hipertensão arterial pulmonar, na disfunção erétil masculina”, entre muitas outras áreas, algumas delas com novas evidências bem direcionadas para a chegada, em breve, à prática médica.  É o caso, das evidências que colocam as purinas (ATP e adenosina) numa posição chave para restituir a capacidade de regeneração óssea (e da cartilagem) em mulheres após menopausa e, também, das descobertas relacionadas com a epilepsia resistente a fármacos ou a doença inflamatória intestinal.  “Quase que respiramos o que fazemos, tal é o envolvimento”, refere.

O docente e investigador acredita na importância de se desenvolver um trabalho inovador, desde que o mesmo seja desenvolvido de forma sustentada e coerente ao longo do tempo, para se atingir a excelência científica.  Quando questionado sobre os seus sonhos profissionais revela que veria “com enorme satisfação a passagem para a clínica de algumas descobertas” feitas pelo seu grupo, sem o qual seria difícil chegar tão longe:  “Realço que este percurso nunca é feito sozinho”, diz.  Por isso, e a par dos sonhos que alimenta nas suas áreas de eleição há mais de 20 anos, revela que nada o faria mais feliz do que ver o grupo que ajudou a formar se mantém ativo, unido e com solidez suficiente para fazer mais e melhor investigação.  “Assim seja essa a vontade das instituições responsáveis”, conclui.