Escolher uma área científica onde passar grande parte da sua vida profissional foi,  para Clara Pereira,  uma tarefa nada fácil.  Desde sempre boa aluna,  dividia o seu interesse por áreas muito diversas como a Arqueologia,  a Astronomia,  a Psicologia ou a Química.  Apesar de não ter considerado nunca uma carreira como investigadora,  a paixão pela Química foi a que acabou por falar mais alto:  “Foi pela curiosidade em compreender os fenómenos que me rodeiam e pela possibilidade que a Química oferece de criar novos produtos que façam a diferença na vida das pessoas”,  refere a investigadora do Laboratório Associado para a Química Verde REQUIMTE/LAQV, no Departamento de Química e Bioquímica da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP).

Apesar da obrigatoriedade de escolher um caminho na altura do 12º ano,  Clara não deixou todas as suas outras paixões de lado.  Uma delas,  relacionada com a Indústria Têxtil,  renasceu há alguns anos,  ainda enquanto estudante de doutoramento.  Nessa altura,  Clara começou a estar envolvida em projetos de I&DT - em colaboração com os centros tecnológicos CeNTI e CITEVE e com o Laboratório Associado LSRE-LCM (DEQ, FEUP) - de aplicação da Nanotecnologia a substratos e fibras têxteis de modo a conferir-lhes novas funcionalidades,  como elevada repelência à água e ao óleo,  propriedades termocrómicas e fotocrómicas. 

Anos mais tarde,  já como investigadora doutorada,  em colaboração com o centro de investigação IFIMUP (DFA, FCUP),  desenvolveu um nanomaterial que, quando incorporado em tecidos,  faz com que os mesmos acumulem energia suficiente para carregar dispositivos eletrónicos,  tais como sensores de monitorização de sinais vitais,  e sistemas de iluminação LED,  funcionando como baterias.  “Comecei a trabalhar na área de têxteis para armazenamento de energia em 2014. Na altura tínhamos identificado uma necessidade na nossa sociedade relacionada com o fornecimento de energia em vestuário e acessórios eletrónicos portáteis,  como é o caso de sensores de monitorização de sinais vitais”,  refere a investigadora. Era o início da WeStoreOnTEX.

A solução desenvolvida por Clara Pereira,  André Pereira (IFIMUP, DFA-FCUP) e Rui Costa pretende alavancar o mercado da roupa inteligente.  Uma vez que o material por eles desenvolvido pode ser incorporado diretamente no tecido,  não compromete nem a leveza nem a flexibilidade do mesmo.  Além disso não usa plásticos, não usa cabos e não necessita de lítio.  A ideia já valeu diversos prémios aos investigadores,  nomeadamente o 3º lugar no iUP25k – Concurso de Ideias de Negócio da U.Porto,  o 1º lugar no Pitch Day da Escola de Startups da UPTEC e também o Prémio Inovação da Exame Informática “Os Melhores do Portugal Tecnológico”. 

Mas o sonho,  admite Clara Pereira,  é para continuar.  E por isso concorreram à iniciativa BIP Proof (com o apoio da U.Porto e da Fundação Amadeu Dias),  onde arrecadaram um financiamento de 10 mil euros.  “Mais recentemente foi-nos concedido apoio financeiro no âmbito do BIP Proof,  o que nos permitiu realizar a prova de conceito”,  refere a investigadora,  para quem o maior objetivo é levar,  efetivamente “o produto ao mercado e que ele faça a diferença na vida das pessoas”. Ter escolhido esta área de intervenção foi também um ato de muita consciência ecológica,  sabendo que a Química tem uma importância fulcral na sociedade: “E na era em que vivemos,  com a emergência do paradigma da economia circular,  a Química é um dos pilares fundamentais para assegurar a gestão sustentável de recursos”,  refere.

Neste momento os investigadores da WeStoreOnTEX estão já a trabalhar numa tecnologia híbrida mais avançada “que produz energia através da recuperação de calor do corpo humano e,  simultaneamente,  armazena-a no mesmo dispositivo”,  contam. O objetivo é chegar a um produto leve,  flexível e totalmente autónomo (self-powered) com alargadas hipóteses de aplicação desde a Saúde e o Bem-Estar ao Desporto,  Proteção e à Moda. Além disso,  a equipa está também a aprofundar a viabilidade técnica e de mercado.

E equipa é mesmo a palavra chave.  Para Clara Pereira,  “as invenções são fruto da interação entre investigadores e estudantes de várias áreas científicas”  e a investigadora considera-se uma privilegiada por estar,  dentro da instituição a que chama casa – a Universidade do Porto – rodeada de pessoas altamente motivadas.  Apesar de reconhecer alguma instabilidade relacionada com a profissão de investigadora,  aliada a uma constante necessidade de “conseguir autofinanciamento”,  Clara Pereira considera que a U.Porto é uma casa onde vigora o “ensino e a investigação de excelência em todas as áreas do conhecimento”.  E é nesse ambiente de criatividade,  inovação e empreendedorismo que grandes projetos, como a WeStoreOnTEX, continuam a aparecer e florescer.